Canções de Exílio (2016) é o oitavo disco de estúdio do cantor e compositor brasileiro Jay Vaquer, sucessor do álbum Antes da Chuva Chegar – Transversões: Volume 1 (2013), eu já havia comentado sobre o disco no meu antigo blog “Gaveta Alternativa”, porém como ele já não existe e o cantor está prestes a lançar seu nono trabalho, decidi resgatar essa matéria que adorei fazer! Não se engane pela data de lançamento do disco, nada aqui soa datado, o artista possuí diversos trabalhos atemporais.
Jay Vaquer é a representação viva do significado da palavra resiliência, um artista que mesmo passando por vários momentos complicados em sua carreira devido ao mau-caratismo de pessoas do mercado e a falta de incentivo e interesse pelo trabalho nacional, continua lutando pelo seu trabalho sem medo de mostrar a que veio e sem medo de expor a realidade na qual o nosso país se encontra, com suas composições repletas de personagens e conteúdo que alfineta aquilo que carece de alfinetes, mas que aparentemente outras pessoas possuem medo de encostar e acabar se furando.
Após passar alguns anos dedicando-se a outros projetos, principalmente musicais, Jay anunciou que iria iniciar as gravações do novo disco e para isso, pela primeira vez, organizou uma pré-venda, até então sem nome, sem capa, sem quantidade de faixas, absolutamente nada, porém confiando na consistência e seriedade de seu trabalho, os fãs acreditaram no projeto e começaram a comprar o disco e divulgar a pré-venda nas redes sociais, foi então que o cantor decidiu criar um grupo secreto “Tampa de Crush” com ajuda da queridíssima e atenciosa Beta Maria, para disponibilizar conteúdos do disco em primeira mão para as pessoas que compraram e acreditaram no projeto, além de conversar, responder perguntas, enfim dar atenção aos fãs, atitude que é típica do cantor. Esse processo deu super certo e está se repetindo com o nono disco do artista que está prestes a sair do forno!
As compras realizadas na pré-venda deram origem a um primeiro lote, prensado independentemente, que serviu como uma espécie de objeto de colecionador para os fãs do artista.
Identidade Visual

Fotografia: Renato Pagliacci / Maquiagem: Sabrina Sanm
A capa do disco nos mostra Dominus Poscriptu, que significa “Senhor Exilado” em Latim, ele é um personagem, um alter ego do cantor, que pode não ser apenas um personagem concebido para a identidade visual do disco, mas sim para os shows e até mesmo clipes, o mesmo que ocorre com Apple White do disco Vendo a Mim Mesmo (2004) que vive dando as caras nos shows, principalmente na energética Pode Agradecer. Não houve nenhum clipe gravado para a era “Canções de Exílio”, porém o artista não descarta a possibilidade de eventualmente lançar clipes de trabalhos anteriores, pois Jay é um artista de carreira e não de álbuns.
O projeto gráfico lindíssimo de Canções de Exílio foi criado pela Nina Gaul do Oestudio, a profissional também trabalhou no projeto gráfico do álbum Vendo a Mim Mesmo, sim aquele que vem com caixinha! A fotografia da capa e as demais fotografias que compõe o encarte ficaram por conta do talentoso Renato Pagliacci e a maquiagem de Sabrina Sanm, a vocalista da banda Kita.
Faixa a Faixa
Quantos Tantos
Jay já abre os trabalhos de Canções de Exílio com os dois pés na porta, não poderia ter sido escolhida outra faixa para abrir o disco que resumisse tanto a mensagem do álbum.
Quantos Tantos fala sobre a cultura de se mostrar alguém que não é, a exploração pela imagem, disseminar quotes bonitos sem saber o real sentido, sem sentir o real sentido. Resumidamente é sobre exibir ao mundo algo bonito mesmo sabendo que por dentro as coisas não são tão bonitas quanto parecem ser nas fotos, a canção critica ferrenhamente a exploração pela imagem, fato exemplificado na estrofe que fala sobre o leão argentino, clara menção ao zoológico argentino que mantém animais dopados e em péssimas condições apesar de manter em sua panfletagem a ilusão de que os animais trancafiados ali estão no paraíso e são mais bem cuidados que você.
Mais interessante mostrar que esteve do que estar
Muito mais importante exibir a vida que viverMais interessante mostrar a lágrima do que chorar
Muito mais importante exibir que sabe que saber
Além de já começar mostrando a que veio no sentido crítico que o álbum quer mostrar, o artista também demonstra sua perícia ao mudar a estrutura tão conhecida de alterar as estrofes e manter o refrão, fazendo uma música com refrões que mudam e estrofes que se repetem.
Tudo Que Não Era Esgoto
A segunda faixa do disco possui uma sonoridade diferente e densa, densa também é a letra da canção que expõe problemas políticos e sociais e o fato de que infelizmente as pessoas se acostumam com a não solução para os problemas ao ponto de passar a considerar situações degradantes com normalidade. Também critica o famoso jeitinho brasileiro, a cultura de oferecer ao povo o que é fácil de mastigar e digerir, elevando isso ao status de cultura, fazendo com que as pessoas se acostumem com o cheiro ruim ao ponto de já não questionar os odores dos quais deveriam estar reclamando.
Se espalhou, dominou, tomou conta de todo o país
Na sarjeta imunda, orgulho entranhado até criando raiz
Podridão difundida, patrimônio cultural
e quem não curtisse aquilo, era débil mental
A mensagem da faixa é bem atual, é bem evidente que o que está acontecendo no Brasil hoje é uma mascaração de odores, trocar uma merda por outra, a mídia fazendo propaganda do cheiro menos pior e as pessoas aceitando e se contentando com o perfume que está sendo vendido como menos pior, quando na verdade tudo cheira mal.
Canção do Exílio Domiciliar
A canção começa suavemente e te arrebenta do meio para o final. Não é de se admirar que um disco chamado Canções de Exílio, que é regido por uma entidade denominada Senhor Exilado, nos fale sobre os vários tipos de exílio (expatriação forçada ou por livre escolha).
Diz
o que vamos fazer?
Me diz
O que resta pra nós
Não sei.
Aqui a sensação é a de sentir-se exilado em uma relação/relacionamento e sentir-se verdadeiramente perdido. A faixa é extremamente emocional e até mesmo permeada por desespero, o que fez com que a canção me tocasse de forma incrível, os vocais aliados a letra e a interpretação fazem do poema/musica o momento mais emocional e agridoce do disco.
Boneco de Vudu
Aqui Jay canta debochado e escrachadamente, os vocais rasgados seriam mesmo do cantor ou seria seu Dominus dando suas caras? O cantor havia dito que a personalidade de Dominus não era lá muito educada e agradável e bem, ele não mentiu.
Fato é que a canção brinca com superstições e brinca ainda mais quanto a opinião do personagem em relação a essas superstições e crenças.
Jay escreve bastante sobre coisas que observa em seu meio, nem tudo é sempre sobre ele, mas tenho um palpite particular (claro que posso estar errado) de que a canção é uma mensagem bem particular de uma pessoa, que como dito no inicio da resenha, é resiliente e que se fosse realmente se importar para toda a uruca, todo conselho bosta, não teria chegado onde chegou.
Não uso fitinha do Senhor do Bonfim
Não esfrego a lâmpada do Aladim
O meu desejo só depende de mim
Do suor e da sorte do acaso ficar a fim.
A coisa toda é bem simples, vou fazer o meu, do meu jeito, pois sei que posso e se você vier me atrapalhar ou me por pra baixo, me espetar com essas agulhas (besteiras) eu vou mandar você enfiar o boneco de vodu em um lugar que você não vai gostar!
Outrora
Com uma intro bem louca e bonita, resultado de uso de pedais vocais e do flerte constante com a música eletrônica que está bem presente no disco, Outrora é uma canção linda que também passa uma sensação de desespero em seus versos de “a vida passando por mim”, é difícil não sentir um aperto no coração durante a execução da faixa.
Reconheci
um caminho que eu sei de cor
Não me enganei
ao chegar sem sequer estarDerrapei
ao tentar controlar
a vida passando
Possibilidade (Se Já Não Caibo)
Eu diria que a faixa possui uma atmosfera lisérgica que faz o ouvinte viajar junto com a canção e a letra coopera bastante para essa viagem.
A letra fala sobre não aguentar mais uma situação, estar preso a algo ou a alguma relação (vai da interpretação de cada um) que parecia ser para sempre e se revelou não ser, não satisfazer mais, ao ponto de te fazer inflar e explodir em pedaços, com todos os pedaços voando em slow motion! Disse que a faixa era uma viagem?!
Além disso a faixa possui a participação da mãe do cantor, Jane Duboc gravou vocais para a faixa. Possibilidade é uma daquelas faixas que ficam melhores a cada execução.
Quem aguenta um instante a mais aqui
onde era tudo tão pra sempre
Nem se alimenta mais ali
onde era tanta fome
Como Quem Não Quer Nada
Mais uma faixa ácida e bem atual, aqui Jay fala sobre a esperteza de certas pessoas e te mostra que o idiota é aquele que acredita que as pessoas fazem coisas e falam coisas só por fazer e falar, sem um objetivo em cada palavra e cada gesto aparentemente inofensivo, afinal me diga: Como quem não quer nada?
Sempre dá pra piorar
E o pior é massapro idiota idiotizado
idiotizante idiotizandoComo quem não quer nada
Como quem não quer nada?
Hematomas da Teima
Na divulgação do disco anterior “UMBIGOBUNKER!?” assim que vi o titulo de uma das canções Presença Hecatombe soube que ela seria a minha favorita do disco, sim, mesmo sem ouvir, coisa de louco né? E não é que o mesmo ocorreu com Hematomas da Teima? Assim que o Jay divulgou no Tampa de Crush a track-list do álbum, meu olho bateu em Hematomas da Teima e soube que a coisa estranha de amar algo sem nem conhecer iria se repetir.
Olha bem
Meu coração ainda é seu
Tão seu, cuida bem
Vou cuidar do seu também
Não espero pelas voltas que o mundo dá
Se posso dar a volta no mundo até encontrar
o espaço onde estamos juntos.
Nosso lugar.
E os hematomas da teima
são condecorações.
Jay sabe como ninguém aliar letra com melodia, a canção é extremamente poderosa e emotiva, diz sobre continuar insistindo em um relacionamento mesmo que essa relação te machuque, pois no fundo você sabe que os machucados valem a pena, são condecorações.
Legítima Defesa
A faixa pegou a mundiça (como são chamados os fãs do cantor) de surpresa logo que foi anunciada por Jay, trata-se de uma continuação da canção Estrela de Um Céu Nublado, que narra as agruras de um ator em inicio de carreira que queria realizar seu sonho de integrar o hall de atores da Projacland e viu seus planos serem frustrados, tão frustrado que chega ao final da faixa com um aparente suicídio, o que de fato não aconteceu conforme revela essa nova faixa.
Aqui o personagem resolveu jogar com o que lhe desanimou, se entregar ao metiê, fazer comercial de cerveja, contratar personal faz tudo, Media Training e o c*&$%$ a quatro afinal o que há demais nisso? O refrão da faixa, assim como o refrão de EDUCN é poderoso, além disso, é impossível ouvir a faixa e não dar várias risadas, Jay é uma pessoa de outro planeta e muito corajoso por expor as coisas que expõe aqui e sabe como ninguém brincar com as palavras e demonstra ser um ótimo observador.
A canção é meio que uma redenção do nosso personagem e mostra as atitudes que ele tomou para não ter seu céu nublado e ter sua estrela brilhando em um céu limpo e claro, mesmo que os ingredientes para essa receita de sucesso não sejam dos mais qualitativos.
Repetindo a parceria com a incrível Megh Stock, que consegue interpretar muito bem o espírito da canção e tem uma voz que casa muito com a do Jay, a faixa é a terceira parte de uma história, sendo Estrela de Um Céu Nublado a segunda parte, o cantor já anunciou teremos as próximas partes dessa odisseia nos próximos discos.
Jay vai fazer a mundiça decorar um livro e pedir por mais, afinal a letra de Estrela de Um Céu Nublado e Legitima Defesa são bem grandes para o padrão de composições atuais, Jay continue quebrando padrões! ❤
Quando você menos esperar
Esperar vai te levar
A saber que esperar não basta
Baudalov
A canção que encerra o Canções de Exílio é uma canção de amor, ou uma declaração de amor cantada, linda, forte e tocante! Provavelmente a canção é sobre o seu filho e não há nada mais bonito do que esse sentimento que transforma, transborda e nos despe de certas convicções para nos encher de algo melhor.
E a felicidade é plena ao te ver sorrir
Canções de Exílio é um trabalho que exprime a identidade do artista, embora tenha uma proposta diferente dos discos anteriores, aqui há um maior flerte e experimentação com a música eletrônica, que funcionou muito bem aliás.
Não sou nenhum critico musical, mas é notável a qualidade dos arranjos, harmonias, efeitos e também a qualidade de composição, Jay é um dos poucos artistas que conheço que sabe criar uma canção tão bem, suas composições são fascinantes, seus personagens são muito bem construídos e posso dizer facilmente que além de um ótimo cantor e compositor ele é um grande contador de histórias justamente pela sua habilidade de observação do meio no qual vive e também por ter apanhado tanto desse meio.
Não posso deixar de citar que o trabalho é produzido, gravado e mixado por Moogie Canazio, parceiro de longa data nos trabalhos do artista, além de contar com grandes parcerias como: Aaron Sterling, Sean Hurley, Rafael Moreira, Bill Brendle, Lucas Silveira, Gui Boratto, Tim Pierce, Renato Pagliacci, Jamie Muhoberac, Jane Duboc, André Torres e Megh Stock.
Aconselho que escute o disco em um aparelho de som bom para que possa aproveitar todas as camadas e nuances das músicas, assim como UMBIGOBUNKER!?, Canções de Exílio é um disco que fica melhor a cada play e te faz descobrir coisas novas a cada play, se você escutar primeiro sem ler as letras, quando escutar novamente acompanhando as letras vai ver que muita coisa muda, vai observar gracinhas do artista e a cada execução vai perceber algo novo.
Só não se surpreenda ao final do disco você acabar se identificando com as mensagens de Dominus Poscriptu e de constatar o fato de que talvez você esteja também vivendo em um exílio.
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Quantos cafés “Canções de Exílio” merece?
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