JULHO NACIONAL: ECOS DO ACASO E CASOS DE CAOS – JAY VAQUER

“Ecos do Acaso e Casos de Caos” é o mais novo trabalho de estúdio do cantor e compositor Jay Vaquer, sucessor do “Canções de Exílio” (2016), e mais uma vez o artista decidiu por proporcionar aos fãs, que adquirissem o trabalho antes mesmo que ele tivesse um título, a experiência de conferir tudo em primeira mão, inclusive receber o primeiro lote do disco autografado e todo o carinho e zelo que o artista sempre demonstrou não só pelo seu trabalho, mas também por seus fãs.

O disco foi lançado em Maio deste ano e contém 10 faixas extraídas de um universo de 40 canções compostas por Jay, que constam no repertório de seu musical “Tilt – Quando a Vida Começa”, que ainda não foi lançado. Apesar de parecer estranho ter um disco com 10 faixas extraídas de um universo de 40 canções que compõem um musical, nada é confuso aqui, cada canção tem sua mensagem própria e funciona bem individualmente e juntas conseguem fechar um conceito interessante para o trabalho.

Identidade Visual

O encarte de uma mídia física como um CD ou até mesmo um LP, pelo menos para mim, é uma parte muito importante de um disco. Eu sempre gostei do ritual de abrir a caixinha, colocar o CD para tocar, pegar o encarte na mão e ir acompanhando as letras, vendo as fotos e tentando entender e absorver o máximo do conceito que o artista quis trazer com aquilo tudo; tenho amigos que me questionam sobre o motivo pelo qual ainda compro CD’s se a música está disponível em plataformas digitais, eu particularmente acho que o trabalho do artista merece ser vivido e tocar o seu público na forma com a qual as ideias, conceitos e loucuras foram concebidas e você não consegue fazer isso pelo Spotify ainda.

A capa do disco do disco pode parecer um tanto quanto simples à primeira vista, porém, ao escutar o disco é possível entender que a fotografia que deu origem a capa tem muito pra dizer. Na capa você vê Jay dando vida a personagem do disco e dentro do encarte você consegue ver a loucura que tal personagem é por dentro. Viu…coias que o Spotify não te proporciona!

Faixa a Faixa

Despas de Deux

Se tem uma característica intrínseca aos discos do artista, é a sua tendência ao storytelling, sua capacidade de construir uma narrativa e contar histórias relevantes em suas composições e aqui isso está ainda mais presente, você pode encarar o trabalho inteiro como uma viagem pela mente de uma personagem que está se descobrindo aos poucos e tentar desvendar com ela os quebra-cabeças que a vida nos impõe ou se perder com ela no caminho e montar as peças da maneira que lhe convém.

Jay inicia o álbum te convidando para entrar na dança em meio ao caos. A canção que abre os trabalhos do disco diz muito sobre ter medo de agir e as consequências de ser tão passivo em frente aos problemas do dia a dia. O ato de mascarar nossas verdadeiras intenções com um sorriso amarelo ao invés de encarar a vida de frente, mesmo correndo o risco de sofrer consequências indesejadas, é utilizado para escapar da solidão. Mas seria mesmo válido escapar da solidão e viver uma mentira?

Olha quem chegou sem nos avisar

Nossa grande amiga, a Solidão

Chama pra dançar , num despas de deux

Pra se acostumar com a violência de ter que viver sorrindo

Cheia de guitarras, instrumental pesado e entrega vocal do artista, “Despas de Deux” é uma ótima forma de abrir o disco, eu te aconselho a fazer justamente o que eu disse, olhe para a capa, vire a página e acompanhe a letra da música enquanto escuta, te garanto que a foto da capa já fará um sentido gigantesco na formação do disco como um todo.

Fosse (O Dedo e o Gatilho)

O ritmo do disco desacelera um pouco na segunda faixa, mas não perde o peso. Depois de questionar se vale ou não viver uma mentira para não encarar consequências e preferir se podar de ser quem você é para não ter que lidar com a solidão, chega a segunda faixa para te perguntar o que te impede de ser quem você é? O que te impede de tomar uma atitude? O que te impede de apertar o gatilho, de fazer uma escolha arriscada, de seguir seus sonhos e se descobrir por meio das suas próprias escolhas, erros e acertos?

A canção é quase que uma irmã da faixa anterior, é quase como que uma segunda parte de uma discussão interna da personagem criada pelo compositor. Se lá você tinha medo e se escondia, aqui você precisa agir e parar de ser consumido pelo medo ou qualquer coisa que impeça de experimentar o erro, pois somente com os erros podemos aprender e evoluir de verdade. Enquanto nós tivermos medo de apertar os gatilhos da vida e continuarmos em uma zona de conforto, nunca vamos conseguir responder a pergunta entoada diversas vezes durante a canção:

Quem é você?

Favas Contadas

A terceira faixa já parece um salto de evolução para os questionamentos da personagem, aqui já há o reconhecimento de que há a necessidade de desaprender todas as coisas que lhe fazia mal, porém o caminho para isso ainda parece ser longo e ainda mais longe parece estar a razão. Para quem não conhece, a expressão favas contadas tem uma conotação de algo que você dá como certo de acontecer e ao declarar na canção a insistência em recontar as favas contadas, o compositor demonstra o quanto a personagem está perdida em suas certezas, em si mesma. A canção se transforma durante a sua execução e Jay consegue dar vida aos questionamentos de sua composição por meio de sua voz.

Insisti na recontagem das favas contadas

E perdi as contas das vezes que me perdi em mim

Missa/2

Sem dúvida alguma, essa faixa me soa bem pessoal para o artista, pelo menos para aqueles que acompanham seu trabalho desde sempre, tenho certeza que terá inevitavelmente a mesma impressão.  A canção fala sobre aqueles que nos julgam sem conhecer todo o caminho que trilhamos na vida para chegar onde estamos, aqueles que apontam nossos erros se esquecendo de nossas virtudes, aqueles que nos julgam conforme suas crenças, leis e dogmas esquecendo que cada um tem sua própria história, próprias questões e caminhos trilhados e a ser percorridos.

Há de haver algum lugar

Onde errar é humano

Ecos do Acaso e Casos de Caos

A faixa que batiza o disco é sem dúvidas a minha favorita do disco e olha que eu não costumo gostar da maioria das faixas-títulos que escuto por aí. A canção consegue te tocar com seu ritmo midtempo que evolui conforme a execução da faixa, sua composição visceral e a voz do Jay que está incrível aqui, ele usa e abusa de sua versatilidade vocal despejando um refrão gostoso e agridoce em falsete.

Eu não sei bem como ainda consigo me surpreender com as composições do artista, tendo em vista as diversas canções incríveis que ele possui em seu repertório, mas continuo me surpreendendo e tenho certeza que vou continuar me surpreendendo por muito tempo.A canção fala sobre parar para refletir e se encontrar perdido, sem saber muito bem para onde está indo, para onde a vida está caminhando e a sensação de desespero que esse sentimento proporciona.

Escuto o lado esquerdo do peito

Feito quem já desistiu de entender a razão

E tudo

Ecos do Acaso e Casos de Caos

Cada Cadáver

Quando eu escutei essa música pela primeira vez eu morria de rir com o tom de ironia da composição e da entonação do artista durante a execução da faixa. A mensagem aqui é bem simples, a canção diz que somos todos iguais em uma coisa, somos todos potenciais cadáveres e é idiotice achar que é melhor que alguém quando sabemos que no fundo todos nós seremos a mesma coisa. A faixa sem dúvida é uma prova do quanto o compositor gosta de brincar com as palavras e é super divertido acompanhar essa brincadeira.

Cadáver

Cada um verá

Cada um será, virará

Vai virar cadáver, olha lá

Tona

Tona é a música que resume a hashtag gratidão kkkk, ok parei com a piadinha. A canção fala sobre aquele inevitável momento em que estamos sozinhos e somos verdadeiros, onde estamos despidos dos nossos medos, das imposições sociais e da serenidade fake que alguns demonstram por aí. Nada é tão perfeito quanto parece quando visto bem de perto.

Ao deitar com a cabeça no travesseiro

A verdade vem à tona

Restante

“Restante” é a faixa mais downtempo do disco e a mais melancólica, nela dá pra intuir que a personagem passou por alguma situação difícil de perda que lhe fez enxergar aspectos de sua realidade que não conseguia ver antes. Essa canção específica me deixou bem curioso por saber o que houve com a personagem antes dessa parte da sua estória.

E a mentira nossa de cada dia

Pode até ser virtude

Há quem faça doutorado

 

Abrigo

Na penúltima faixa do disco, Jay faz uma crítica ácida que à primeira vista parece ser uma posição quanto à religião. Porém, ao meu ver, o compositor diz aqui mais sobre a religiosidade do que a religião em si. O problema aqui são mais as pessoas envolvidas com a religião do que a própria religião, pessoas que usam doutrinas em prol de suas convicções e capam a palavra para usar apenas aquilo que lhe serve, que lhe convém e atenção, “amai-vos uns aos outros” é uma parte que vem sendo pouco usada.

Não que eu não saiba respeitar o sagrado que existe na diferença

Mas quando vejo a cegueira de quem prefere não ver

Só mudando o nome da doença

Parem de profanar o meu santo saco

Questão de Tempo

O disco é encerrado com uma balada doce que me remete a canções mais antigas do artistas como “Tal do Amor”. A canção é muito bonita e encerra o disco de forma doce e suave após essa apoteose de caos, porém, o artista já fez alguns alertas de que a canção não tem um gosto tão doce quando vista dentro do musical. Enquanto não temos o musical para tirar esse gosto da boca, encerramos o disco de forma bonita com uma balada que facilmente serviria como tema de um casal de novelas da Globo.

Enfim, encontrei você

Sempre soube que era questão de tempo

E assim que amanhecer

Novas cores vão surgir deixando

Minha vida tão mais bonita

É claro que música e poesia, arte no geral, são coisas subjetivas e a minha interpretação pode ser bem diferente da sua ou a do próprio artista, ainda mais se tratando desse disco em especial que foi criado a partir de músicas que compõem um musical, mas espero que tenha gostado da minha análise e não deixe de comentar aqui suas próprias interpretações.

“Ecos do Acaso e Casos de Caos” é uma viagem ao interior, consciência, alma e coração não só de uma personagem criada por um artista incrível, mas também de certos aspectos da condição humana. Com reflexões sobre travas que nós mesmos criamos e nos impedem de seguir ou ser quem somos, coisas que acontecem na nossa vida e nos deixam sem saber o que fazer, a resiliência que é intrínseca a carreira do artista e criticas sobre aqueles que abusam da fraqueza de espírito alheia para alcançar seus objetivos fúteis e frágeis. Com mais esse trabalho, Jay Vaquer demonstra mais uma vez o quanto é versátil, cuidadoso e esmerado não só com sua composição e música, mas também com todos os artistas incríveis que escolhe para colaborar com seu trabalho; é uma pena que um artista desse porte tenha tão pouca visibilidade, porém, infelizmente é algo natural em um cenário onde evidenciam e apreciam mais o raso.

Para conhecer o artista acesse o site oficial, siga a conta oficial no Instagram ou procure pelo nome Jay Vaquer nas plataformas de música, você não vai se arrepender.

Quantos cafés “Ecos do Acaso e Casos de Caos” merece?

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