LIVRO: A RETORNADA – DONATELLA DI PIETRANTONIO

“A Retornada” (L’Arminuta) é um romance escrito por Donatella Di Pietrantonio, autora nascida em Arsita, na Itália. Em 2011, Donatella estreou na literatura com Mia madre è un fiume, que recebeu os prêmios Tropea e John Fante, L’Arminuta é seu terceiro romance e o primeiro traduzido para o português. O livro chegou ao Brasil em Março pela TAG – Experiências Literárias em parceria com a Faro Editorial para os assinantes do plano TAG Inéditos, a obra deve ser publicada futuramente pela Faro Editorial, assim como ocorreu com o fantástico “Southernmost” de Silas House.

Antes de falar sobre a obra em si, vou reservar algumas palavras para a edição. A capa e o projeto gráfico de “A Retornada” foi a que mais me agradou levando em conta as edições anteriores enviadas pela Tag Inéditos neste ano, desenvolvido por Bruno Miguell Mesquita, Gabriela Heberle e Paula Hentges, o projeto gráfico da edição reflete muito bem o clima de toda a história, desde a capa, passando pela luva e a opção por imprimir o livro com uma fonte azul marinho, além disso, a tradução de Mario Bresighello conta com algumas notas de rodapé interessantes que acrescentam informações relevantes durante a leitura.

Na trama, ambientada no ano de 1975 em Abruzos, região da Itália central, uma garota de 13 anos, criada em um lar abastado, é atirada em uma casa pobre onde, dizem, vive sua família biológica. É com a vida virada de cabeça para baixo que a garota precisa encontrar a resignação para seguir em frente. Além de enfrentar um abandono cuja razão não consegue entender, ela precisa conhecer seus pais e driblar a desconfiança dos irmãos conscientes de sua criação elitizada e privilegiada.

Desde que fui devolvida a ela, a palavra mãe aninhou-se em minha garganta como um sapo que dali nunca mais saiu.

Alguns dos personagens dessa obra não possuem nomes, como é o caso da protagonista narradora, chamarei aqui a garota de A Retornada. Essa opção da autora de deixar alguns personagens sem seus nomes me encantou, além do fato dela fazer certas brincadeiras com os nomes de outros personagens, como é o caso da mãe adotiva da retornada, cujo significado está ligado à frieza, atributo que corresponde bastante à personalidade da personagem.

A Retornada teve sua vida transformada quando sua mãe adoeceu e então descobriu que seria devolvida à sua verdadeira mãe. Tirada de uma realidade privilegiada, a garota é deixada na casa de sua mãe biológica, sendo obrigada a encarar uma realidade completamente diferente, tendo de dividir a cama com sua irmã desconhecida e o quarto com mais três irmãos igualmente desconhecidos, todos eles incomodados com sua presença por saberem que a garota veio de uma realidade totalmente diferente. Ela precisa encarar situações das quais nunca antes imaginou ser possível, como ter que conviver com a escassez de alimentos e disputa por comida, com odores da casa e de seu novo meio social, com o trabalho doméstico e os burburinhos gerados por sua condição, tudo isso sem justificativas para a sua devolução, ou para seu primeiro e até então desconhecido abandono.

Enquanto tenta desvendar os mistérios acerca de seus abandonos, a garota tenta se estabelecer em sua nova realidade, assim, descobre em Adriana a irmã que nunca teve e em Vincenzo um primeiro amor. Adriana e Vincenzo são irmãos biológicos da Retornada, sua mãe biológica possui mais três filhos além destes, porém, é apenas com os dois e com o bebê Giuseppe que a garota consegue desenvolver relações. A relação da retornada com Adriana é bem bonita, Adriana vê na Retornada um mundo completamente novo, uma chance de vislumbrar uma realidade diferente e melhor que aquela que vive, já a Retornada vê em Adriana alguém realmente interessada em sua vida, alguém que se preocupa de verdade, além de ser a pessoa que vai lhe introduzir a nova realidade com a qual precisa lidar.

Vincenzo, é um personagem pelo qual tenho sentimentos conflitantes, o irmão mais velho da Retornada desenvolve com ela uma relação que vai além do que deveria, tudo bem que eles não conviveram a vida inteira, mas é bem estranho ver dois irmãos envolvidos em tensão sexual, ainda mais tendo em mente que a irmã recém-chegada é menor de idade, não há nenhuma cena explícita demais aqui e tudo que ocorre entre os dois é consentido por ambas as partes, mas a relação em si é bem estranha, embora compreensível, após ser jogada de um lado para outro, não é estranho que a personagem se apegue ao afeto que lhe é oferecido.

Como é possível notar pela premissa, a obra fala muito sobre família e mais especificamente sobre maternidade e a importância da figura materna. A Retornada é uma garota que teve duas mães, duas mães que em certos momentos de suas vidas decidiram abandonar a filha, é complicado para a garota entender os motivos dessas duas mulheres e ela passa a se sentir completamente perdida, é por isso que ela não tem nome, a personagem se vê sem saber quem é, de onde veio de verdade e ainda é inserida em um ambiente totalmente diferente do que conhecia, com pessoas que deveriam ser uma família, com uma mãe que deveria ser um exemplo de amor, mas que se torna apenas outro personagem sem nome, pois, apesar de ser sua mãe, a garota não sabe nada sobre a mulher que a gerou e lhe entregou à outra pouco tempo depois.

As motivações das personagens são compreensíveis quando são reveladas e essas revelações ocorrem somente no final da trama, o que é um grande acerto aqui, pois é graças às descobertas e à convivência da garota com sua mãe que suas certezas passam a se transformar diante de seus olhos e diante do olhar do leitor atento. Eu gostei muito da forma com a qual o livro é construído, de sua narrativa que vai nos mostrando vislumbres do futuro dos personagens e da sutileza com a qual Donatella Di Pietrantonio narra as descobertas de sua Retornada.

“A Retornada” é um livro sem muitas reviravoltas ou acontecimentos impressionantes, a beleza do livro está na escrita da autora, nos pequenos detalhes e na evolução dos personagens. A garota sem nome que narra a história é uma pessoa que foi jogada de um lado para o outro, sempre se questionando o que teria feito de errado, até que começa a crescer e tomar a consciência de que o erro não foi seu, sua situação na verdade é a consequência dos erros de duas mulheres, erros cometidos na tentativa de colocar suas vidas em seus prumos, erros cometidos por não entenderem o real sentido da família, sentido que só fica claro para aquela que foi abandonada e retornada.

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Quantos cafés “A Retornada” merece?

10 comentários sobre “LIVRO: A RETORNADA – DONATELLA DI PIETRANTONIO

  1. Rodrigo disse:

    (lendo essa resenha ouvindo Dua Lipa) Vou fingir que não li essa resenha pra não aumentar a minha lista de desejados e depois ter que comprar uma edição com capa horrenda da Faro por 50$ bozos. Excelente resenha!!!

    Curtido por 1 pessoa

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