“Memórias de uma vida pequena” é o mais recente lançamento da autora e mestre em filosofia Laura Elizia Haubert, publicado pela Quintal edições em novembro do ano passado. A Laura participou de antologias de contos como ”As coisas que as mulheres escrevem”, revistas literárias como a ”Revista Ponto” do SESI-SP e a ”Revista Submersa”, além de ter publicado em 2015 o livro ”Ode a nossas vidas infames” e em 2017 ”Sempre o mesmo céu, sempre o mesmo azul”.
Neste romance curto, pouco mais de 100 páginas, acompanhamos as memórias de uma mulher desde a sua infância até a velhice, das descobertas e expectativas até o esvaziamento. Dos sonhos às reflexões, um livro poético sobre a vida em seus diferentes aspectos e idades.
Quando criança, os lábios marcados por batom vermelho e as atitudes vorazes de sua mãe a fascinavam, a presença imponente e corajosa da mãe deixava claro o quanto as duas eram extremos opostos, sua mãe sempre voltada para ação, ela sempre voltada para a espera, enquanto o pai se mantinha em silêncio, mantendo as palavras presas em olhos que também evitavam transbordar.
Secretamente, ela deslizava o batom vermelho da mãe nos lábios, imaginando que aquele adorno seria a origem da força motriz que lhe despertaria o desejo de mover-se, impôr-se, agarrar a vida com as mãos e fazer dela sua, mas isso nunca aconteceu, a pintura podia ter seu efeito, mas a força vinha de um lugar diferente, um cômodo que ou ainda não havia sido construído em sua alma de criança, ou que ainda estava vazio, com suas paredes brancas e seus ecos gelados.
Ela sabe que estou esperando por um milagre, um amor, um meteoro, coisas para além do que posso domar. Coisas que recebo ao invés de ter o trabalho de fazer, enquanto continuo negando que seja por preguiça, trata-se de uma forma de espera apenas, estou me preservando para algo, para amizades melhores, para os dias que irão me esgotar na medula. Contudo, ela não compra essa história, posso ver em seu rosto o pavor de que eu me torne o papai.
A chegada da adolescência era a esperança de ver esse cômodo devidamente preenchido, mas a pouca mobília que conseguiu colocar ali não foi suficiente para fornecer motivação, objetivo, foco. Então, ela decidiu mais uma vez esperar, fazendo da espera uma espécie de superpoder, deixando que o tempo e a vida fluísse através de si.
Com o passar do tempo vieram as perdas, as amizades que antes de se formarem desmoronavam ou desmanchavam como um castelo de areia erguido muito próximo a beira-mar, a morte foi tornando-se próxima, fazendo rondas constantes para recolher aqueles que desejava ter para si e, ainda assim, ela preferiu se manter esperando, quanto mais a vida se revelava, mais desinteressantes se provavam os resultados das expectativas, a constante necessidade de armazenar lembranças, memórias, cheiros e o vermelho do batom da mãe que foi ganhando tons mais fortes, enquanto aquela que o adornava ficava mais fraca.
O que as pessoas faziam consigo mesmas além de fingir que sabiam o que fazer?
De forma sutil, mas com reflexões profundas, a autora fala sobre o amor em seus vários estágios, o corpo feminino por suas várias fases, as lutas que as mulheres precisam travar, as expectativas alheias, as convenções e moldes sociais. Essas reflexões são feitas por uma mulher que decidiu que a melhor opção seria abdicar de tudo isso e esperar, observar e se encher de memórias e lembranças de outros, constituindo uma vida pequena de feitos próprios, enchendo o peito de vazio.
A escrita de Laura Elizia Haubert é intrigante e questionadora, porém, não é daquelas que te colocam em uma sala com um foco de luz na cabeça e te interrogam, é daquelas que plantam pequenas sementes que crescem, fazem raízes e acabam florescendo questionamentos; poderia dizer que a experiência de leitura deste livro foi tão sutil quanto profunda em diversos aspectos.
“Memórias de uma vida pequena” não é o tipo de leitura que estou acostumado a fazer e, por isso mesmo, me surpreendi ao me ver preso na narrativa intrigante e repleta de questionamentos acerca da vida, da passagem do tempo e daquilo que fazemos das nossas vidas enquanto o tempo passa, ou ainda, daquilo que deixamos que a vida nos faça conforme deixamos também o tempo fluir através de nós, a obra de Laura é para ser degustada com uma boa xícara de café quente.
Quantos cafés ‘Memórias de uma vida pequena’ merece?
Fiquei curioso pelo livro. Parece ser uma leitura mais introspectiva.
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