“O dia em que Selma sonhou com um Ocapi” é um romance alemão de realismo mágico escrito pela autora Mariana Leky, que conquistou prêmios como o Prêmio dos Livreiros Independentes, o de Melhor Romance e o de Melhor Autora do Ano de 2017, além de ter ficado na lista dos mais vendidos do jornal Der Spiegel por quase dois anos ininterruptos. A obra foi lançada no mês de Outubro pela TAG – Experiências Literárias, para os assinantes do plano Inéditos, e conta com tradução de Claudia Abeling.
Essa poderia ser uma manhã como muitas outras no vilarejo de Westerwald, porém, Selma sonhou com um ocapi, e como todos sabem, isso significa que alguém no vilarejo morrerá em um prazo de 24 horas. Como é de se esperar, o intervalo entre o sonho de Selma e a morte em decorrência deste deixa seus vizinhos em estado de emergência.
Somos apresentados à realidade do vilarejo pelos olhos de Luise, a neta de Selma, que narra todo o medo e ações desesperadas que seus vizinhos sentem e cometem ao descobrir que a morte se aproxima de Westerwald.
É nas iminências da morte que conhecemos os peculiares personagens dessa história, a mulher supersticiosa que possui diversas soluções herbáceas e mágicas para os mais diversos problemas do vilarejo, menos para algo que leu nos diários do marido e que não consegue esquecer desde então, o oculista que sempre nutriu um amor secreto por Selma, mas nunca teve coragem suficiente para se declarar e até o carteiro que preferiu ficar parado pelas 24 horas que sucederam o sonho anterior de Selma para que sua presença não fosse notada pela morte.
Pouco a pouco o leitor se afeiçoa e se apega a todos esses personagens e suas peculiaridades, e o coração vai apertando na medida que o tempo para descobrirmos quem morrerá se aproxima. A morte chega de forma devastadora na vila, trazendo consequências para a vida de todos os personagens, imediatamente após o ocorrido, anos se passam e vamos acompanhando o amadurecer de Luise e as transformações das pessoas que vivem naquele lugar, sempre amedrontados pelo próximo sonho que Selma pode vir a ter com um ocapi.
A escrita de Mariana Leky é muito gostosa e sutil, o que é evidenciado pelo fato da história ser narrada inicialmente por uma criança que vai crescendo, amadurecendo e fazendo descobertas diante dos olhos do leitor. O realismo mágico confere uma carga poética que casa muito bem com toda a proposta da história, temos trasgos que montam nas costas das pessoas conferindo uma sensação de peso e uma postura curvada, trepadeiras na floresta que na verdade são humanos enfeitiçados, o carteiro já mencionado que decide parar definitivamente para não ser alcançado, fazendo uma interpretação incorreta de sua não ação e até um fato que ocorre entre Luise e Selma quando a morte desse sonho que abre o livro ocorre.
Apesar de falar sobre morte, o livro não é exatamente sobre isso, eu senti que a autora decidiu se utilizar da morte para falar sobre vida, coragem, união e amor, pois os sonhos de Selma acarretavam em uma pressa por viver uma vida que, sem ameaças, era contida. Assim, vemos o amor antes retido ser esvaziado em cartas para lotar caixas de correios, portas trancadas serem abertas, rotinas sendo bruscamente interrompidas, pessoas tendo a oportunidade de fazer aquilo que nunca tiveram coragem de fazer, mas que agora precisam fazer por não saberem se estarão vivas quando o período de 24 horas chegar ao fim.
É claro que nem tudo é perfeito, após a segunda parte, o livro se envereda para uma coisa totalmente diferente do que o leitor espera, mas a experiência vale a pena apesar dessa quebra de expectativas.
Com uma linguagem simples, personagens bem construídos, uma prosa sensível com acontecimentos extremamente comoventes e muita poesia, uma das últimas cenas que envolvem uma revelação envolvendo cartas não finalizadas é uma das coisas mais bonitas que eu já li, “O dia em que Selma sonhou com um ocapi” é uma leitura deliciosa que deve ser apreciada sem pressa, assim como a vida.
Quantos cafés “O dia em que Selma sonhou com um ocapi” merece?
Achei interessante!!!
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