“Lágrimas de Carne” é uma novela de fantasia sombria escrita por Fernanda Castro e publicada recentemente em formato digital pela editora Dame Blanche com uma capa extremamente linda criada pelo talentosíssimo Dante Luiz.

Eu conheci o trabalho da autora atraves do divertidíssimo “Dez bolas de sorvete por um real” presente na coletânea “Histórias (mais ou menos) Assustadoras” da Agência Magh e, assim que tive a oportunidade, corri para ler esse trabalho mais recente, que difere bastante do tom do conto supracitado, trazendo uma fantasia sombria sobre relações familiares.

Na cidade agreste de Serrita, uma mulher cumpre suas obrigações de carpideira. As obrigações de uma carpideira vão além de prantear os mortos, é preciso purificar pecados, libertar mágoas, guiar a alma até a beira do mundo — um trabalho proscrito e desgastante.

Para contornar isso, a carpideira Mãe manipula seus filhos adotivos: Suindara, a quase-mulher quase-coruja; e Carcará, o quase-homem quase-falcão — gêmeos de forças opostas, tanto em aparência quanto em princípios.

Ao executar seu trabalho como carpideira da cidade de Serrita, Mãe sempre encontra uma forma de, discretamente, cortar pequenos pedaços dos defuntos. Esses fragmentos são servidos ou melhor, empurrados goela abaixo ao seu filho Carcará que sofre ao expurgar os pecados, dores e sofrimentos da alma do falecido, para que a alma em estado purificado siga seu caminho pelas garras bondosas de Suindara que ganhou a fama agourenta de Rasga-Mortalha entre os habitantes da cidade.

Suindara sempre foi a filha tida como predileta e querida à Mãe, enquanto Carcará sempre foi o filho rebelde. A predileção vem de encontro aos objetivos da Mãe que trata seus filhos adotivos como um meio de conseguir alcançar seus objetivos se utilizando se suas habilidades para isso. Como Suindara se dobra fácil aos pedidos da Mãe, sobra para o rebelde o fardo de ser literalmente acorrentado e forçado à sentir as dores dos mortos para fornecer informações importantes para a carpideira.

Durante o processo de expurgo de uma alma, Carcará não absorve somente a dor, os pecados e as angústias da alma deglutida e devorada, ele absorve também memórias e segredos. A cidade agreste de Serrita vivencia uma febre do ouro e Mãe está disposta a fazer Carcará sofrer para obter informações acerca do paradeiro da mina que mudará sua vida para sempre. A passividade de Serrita e a fúria contida por correntes de Carcará se extinguem quando um novo pedaço de carne precisa ser consumido, trazendo à superfície segredos sobre a carpideira, suas reais intenções e seu passado.

“Lágrimas de Carne” é uma obra rica em diversos aspectos, desde a relação familiar problemática dos três personagens que é envolvida em camadas de segredos, abuso psicológico, emocional e físico, passando pela atmosfera sombria, densa e opressora presente em toda a novela, a mitologia extremamente intrigante me fez desejar por pelo menos mais 300 páginas no universo construído pela autora e a construção e desenvolvimento dos personagens que estão muito longe de ser uma coisa só.

Os três personagens centrais da história são muito bem construídos e multifacetados, Mãe não é simplesmente uma vilã desalmada que usa seus filhos adotivos para alcançar seus objetivos, ela é uma mulher que passou por momentos extremamente difíceis e precisou fazer escolhas ainda mais difíceis para sobreviver. Não que isso isente a carpideira de todos os seus pecados, mas Fernanda Castro consegue exemplificar o quanto nossas escolhas nos moldam e podem trazer consequências irreversíveis para as nossas vidas e para as vidas dos que nos cercam.

Sem sombra de dúvidas, essa é uma história que eu pretendo revisitar, a escrita da Fernanda é muito gostosa, e como eu disse anteriormente, leria fácil um livro com muito mais páginas nesse mesmo universo mágico, sombrio e fantástico criado por ela.

Gostou das minhas impressões? “Lágrimas de Carne” está disponível em formato digital na loja de e-books da Amazon (https://amzn.to/34RDO3X) e pode ser lido no seu leitor digital Kindle ou no aplicativo Kindle para celular.

Quantos cafés “Lágrimas de Carne” merece?