LIVRO: TORTURA BRANCA – VICTOR BONINI

“Tortura Branca” é o mais recente trabalho publicado pelo autor e jornalista Victor Bonini, que entre seus trabalhos publicados possui “O Colega de Quarto”, O Casamento”, “Quando ela Desaparecer” e o um conto presente na antologia “Vozes do Joelma”. Lançado ano passado pela editora Coerência, seu novo romance é ambientado no ano de 2020 em meio ao isolamento social provocado pela pandemia de COVID-19 e inicialmente teve seu texto enviado periodicamente aos leitores de sua newsletter.

Eu duvido que você não conheça ao menos um casal que tenha tido sua relação desestabilizada após o inicio do isolamento social provocado desde o comecinho do ano passado devido à pandemia de COVID-19. Eu acompanho alguns podcasts que recebem casos de ouvintes e, esse ano, grande parte deles foram sobre desentendimentos dentro de casa após o início do lockdown se é que tivemos de fato um lockdown no Brasil.

Casais que passaram a conviver quase que 100% do tempo juntos começaram a conhecer verdadeiramente seus parceiros, manias, defeitos individuais que antes eram relevados e conflitos foram criando proporções exponenciais conforme o tempo de isolamento ia avançando e não se via uma luz no fim do túnel.

A falta de caráter, humanidade, empatia e a covardia aliada ao preconceito deixaram expostas pessoas em situações vulneráveis presas dentro de casa com seu maior algoz, dessa forma, não foi incomum acompanhar pela TV os alarmantes números de aumento de casos de violência doméstica, feminicídio e todo tipo de absurdo cometido contra minorias.

Imagine se ver preso dentro de casa com um marido que te agride de diversas formas só por achar que tem algum direito de posse sobre você, ou ser um jovem LGBTQIA+ tendo que conviver 100% do tempo com familiares que não te aceitam e fazem questão de deixar claro o quanto sua existência, na visão limitada e limitante deles, é errada.

Ainda falando sobre vulnerabilidade, não posso deixar de mencionar casos onde, do dia para a noite, famílias acabaram perdendo sua fonte de sustento principal, tendo que recorrer a um valor fornecido pelo governo, cuja continuidade era incerta. Sem contar, a pressão psicológica e a carga emocional de acompanhar o alarmante crescimento dos casos e das vidas ceifadas pelo vírus, enquanto o presidente do país ridicularizava de todas as formas possíveis, em todas as oportunidades possíveis, toda essa situação sofrida por nós brasileiros.

É nesse cenário que o autor desenvolve o seu quarto romance policial. Na história, as brigas passaram a fazer parte do dia a dia de Júlia e Guilherme. O casal já teria terminado o relacionamento se não fosse um entrave: eles estão presos na mesma casa durante a pandemia. Quando Júlia perde a cabeça, Guilherme aproveita uma chamada de vídeo com os amigos para desabafar…pela última vez.

Ao retornar do passeio que fez com o cachorro para esfriar a cabeça, Júlia encontra Guilherme jogado no chão, esfaqueado, ela corre para pedir ajuda de Alice, a guarda responsável pela segurança do condomínio. Juntas elas tentam estancar o sangue enquanto a polícia não chega, mas suas tentativas não surtem efeito.

Alice relata todo o pesadelo para os investigadores de polícia, ela tem certeza de que não viu e não seria possível alguém estranho ter entrado na casa, também relata o descontrole de Júlia e seu comportamento estranho durante todo o tempo, desde a hora que saiu de casa até os momentos em que ficaram sozinhas acompanhando a chegada da polícia. Todas as evidências apontam para Júlia e a polícia foca seus esforços para incriminar a moça, é nesse cenário que a mãe da moça decide recorrer ao detetive Conrado Bardelli.

Conrado inicia uma investigação limitada ao que pode fazer de forma remota, tanto ele que é asmático, quando sua companheira, fazem parte do grupo de risco do corona vírus e estão cumprindo à risca as regras de isolamento social desde o início. Mesmo a distância, ele está disposto a refazer os últimos passos da vítima na quarentena afim de encontrar novos suspeitos, certo de que as angústias de um momento histórico tão desolador são capazes de corromper até as relações mais sólidas.

Na medida que Conrado Bardelli avança em suas investigações, o autor aproveita para expor as mazelas da nossa sociedade, especialmente durante o período histórico que a história ocorre. De forma extremamente sensível, o autor expõe a dificuldade dos profissionais da educação que tiveram que se reinventar durante a pandemia para seguir dando aulas, mesmo com todas as limitações impostas pelo distanciamento e pela precarização da educação que parece ser um dos objetivos do nosso governo, aliadas aos que seguem cegamente qualquer notícia de mensageiro instantâneo ou textões em redes sociais como verdades universais, as dificuldades de conviver de forma forçada com alguém que de alguma forma não te faz mais bem, o egoísmo do outro que não vê nada demais em furar a quarentena e levar para dentro de casa uma doença que lota as salas de UTI no país, as pessoas que tiveram que se expor ao vírus com medo de perder sua única fonte de renda e diversas outras dificuldades que foram amplificadas pela condição que todos nós fomos submetidos e ainda estamos sendo, pois diferente da impressão que festeiros de período de festas tentam passar, a pandemia não acabou e o nosso governo está tão despreocupado com vacinas que o presidente está literalmente curtindo uma praia, aglomerando com pessoas na praia.

Eu iniciei e finalizei a leitura de “Tortura Branca” em um único dia, pois não consegui desgrudar meus olhos das páginas até chegar ao final. Para variar, não consegui solucionar o crime, não sou um bom detetive, mas em certo ponto do livro cheguei bem perto e, assim como Conrado Bardelli, cheguei ao final com muitos questionamentos acerca do culpado e suas motivações. Esse é, sem dúvidas, o meu livro favorito do autor até o momento e acredite, a decisão por um deles não é nada fácil, pois Bonini é um grande autor e ao meus olhos um dos melhores autores contemporâneos nacionais do gênero.

Quantos cafés “Tortura Branca” merece?

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