“Mil Mortes & Outras Histórias” é uma coletânea de contos escritos por Jack London, autor, jornalista e ativista social norte-americano. Dentre suas obras mais conhecidas, estão “Chamado Selvagem”, “Caninos Brancos” e “O Lobo do Mar”.
Publicada pela Editora Penalux esse ano, a coletânea de contos inéditos no Brasil tem a proposta de apresentar ao leitor uma outra vertente do escritor que é mais conhecido por sua veia aventureira, os temas abordados nos contos são mais voltados ao terror e a ficção científica. Os quatro contos que compõem a coletânea foram escolhidos e traduzidos por Lívia Koeppl, sendo eles: “Mil mortes”, “A Sombra e o raio”, “Planchette” e “O Vermelho”. Além disso, a obra conta com uma apresentação de Cléber Pacheco, autor de “Entes”, e diversas notas de rodapé que auxiliam a compreensão de alguns detalhes durante a leitura dos contos.
“Mil mortes”
O conto que abre a coletânea é um relato de um homem que vê sua vida passar diante dos olhos quando percebe que está se afogando e que pode ter a vida ceifada pelas águas em breve. Nascido em berço de ouro, ele conta ao leitor as dificuldades de ter uma família ausente e como suas rebeldias, seu espirito livre e suas diversas aventuras o levaram a ser deserdado e abandonado pelo próprio sangue.
Em meio aos devaneios de uma eminente morte, o narrador apaga e quando volta ao mundo dos vivos se vê no chão de um iate luxuoso, sendo ressuscitado por alguém que pensava nunca mais encontrar, seu pai. Ciente da última conversa com seu pai, o narrador não revela sua identidade de cara, passa a ganhar a confiança do homem, descobre seus projetos secretos e passa a trabalhar com ele em um projeto ambicioso.
O que o rapaz não contava era que seu pai tinha planos nada amistosos para o seu futuro e ao revelar sua identidade em um ato de desespero, descobre que é tarde demais. Agora, o jovem rapaz precisa descobrir um jeito de livrar-se das garras do pai que o faz de cobaia para um experimento tão grandioso quanto macabro. Sem dúvidas foi uma excelente escolha para abrir os trabalhos da coletânea, é interessante acompanhar as desventuras do narrador e chocante perceber o quão frio é o sangue do pai que decide utilizar seu próprio filho como cobaia para uma experiência no mínimo bizarra.
“A sombra e o raio”
O segundo conto da antologia narra a disputa crônica de dois amigos. Os relatos dessas disputas são expostos ao leitor pelo olhar de um amigo em comum de Lloyd Inwood e Paul Tichlorne, amigo que prevê que inevitavelmente essas disputas acabarão por dar um fim trágico à essa relação estranha.
Lloyd e Paul sempre se desafiaram em absolutamente tudo, desde ver quem fica no fundo de um lago sem respirar por mais tempo (desafio que quase causou a morte dos dois adolescentes naquela época), até competir pelo amor de uma jovem em seus tempos de faculdade, cujo curso foi escolhido por um e seguido por outro somente com o objetivo de ser melhor no mesmo campo de atuação.
Essa amizade tóxica ganha contornos bizarros quando ambos começam a trabalhar em um novo tom de tinta, uma tinta que consiga atingir o tom mais profundo da cor preta, pois o preto profundo poderia conferir aos objetos pintados o fator da invisibilidade. Empenhados em conseguir alcançar o feito primeiro que o outro, os amigos começam a fazer experimentos que vão resultar em um embate final como o narrador previra. Eu amei esse segundo conto principalmente pela conclusão deste, pois os personagens principais não são lá as melhores pessoas do mundo, mas é muito interessante acompanhar até que ponto uma pessoa iria para ser melhor que seu adversário, o embate final dos dois “amigos” é uma das coisas mais loucas que eu já li.
“Planchette”
Esta é a estória mais longa dessa antologia, mais se assemelhando ao tamanho de uma noveleta do que um conto. Ambientada no século XX, conhecemos Lute, uma jovem que nasceu em uma família abastada e que possuí um grande amor por cavalos. Constantemente cobrada pelos pais quanto ao seu namoro com o jovem Chris, que parece nunca ir para frente, ela resolve questionar o namorado sobre o motivo pelo qual ele nunca tocou no assunto de casar-se.
Chris revela ter bons motivos para nunca ter tocado nesse assunto e afirma com todas as palavras que possui um motivo para crer que nunca poderá casar-se com Lute, apesar de amá-la com todas as suas forças. Lute decide não pressionar o amado com o assunto.
Inesperadamente os cavalos de Lute começam a se comportar de forma estranha quando são cavalgados por Chris e o jovem chega a quase ser morto em duas ocasiões pelos animais que até então sempre mostraram-se extremamente dóceis e bem treinados. O mistério acerca do comportamento dos animais é desvendado em uma sessão de Planchette, uma especie de precursora da tabua ouija, quando um espírito revela que tentou matar Chris duas vezes e que continuará tentando, caso ele não se afaste de Lute.
O melhor atributo desta estória é sem dúvida o mistério acerca de Chris e as tentativas de assassinato por parte do tal espírito que se revela na sessão de Planchette, esse mistério todo me deixou muito ansioso para chegar ao final da estória e enquanto ele não chegava, foi ótimo conferir a escrita do autor em uma narrativa maior.
“O Vermelho”
O conto que encerra a antologia me remeteu muito as estórias de H.P. Lovecraft e um pouco ao livro Senhor das Moscas, além disso, há uma menção ao poema “Childe Roland to the Dark Tower Came” de Robert Browning que inspirou ninguém menos que Stephen King à escrever sua saga épica “A Torre Negra”.
Bassett descobre nas Ilhas Salomão um som terrível, intrigante e instigante e decide segui-lo, o indescritível som avança pelo meio da floresta e Bassett o persegue. Companheiros são perdidos e assassinados durante a busca, os locais da ilha não são muito amistosos com aqueles que se aproximam de sua comunidade, embora muitos de seus parceiros tenham sido decapitados, Bassett é capturado por nativos que o levam até a aldeia e lá o rapaz descobre que esses nativos cultuam algo que chamam de O Vermelho.
Embora cultuem O Vermelho abertamente, ninguém ousa explicar ao forasteiro o que o tal vermelho é. Imerso na cultura local, Bassett passa a pesquisar por si mesmo e reunir informações suficientes para descobrir o que vem a ser a entidade que cultuam, porém, quando finalmente encontra suas respostas, descobre que a ignorância poderia ter sido um melhor caminho.
É incrível como Jack London consegue em pouquíssimas páginas deixar o leitor imerso na estória, a sociedade cheia de regras estranhas que o autor cria nesse conto é simplesmente aterrorizante. Cada membro da tribo possui um tabu, uma coisa que não podem fazer de forma alguma, caso infrinjam essa regra, o membro da tribo é levado até O Vermelho e submetido à sua torturante presença, todos que foram levados até O Vermelho sucumbiram à morte em questão de dias, além disso, ainda há um costume local bizarro que me gelou a espinha, Ngurn é responsável por defumar cabeças e todas as cabeças defumadas ficam girando pela eternidade em espetos em um lugar com o seguinte simpático nome: a casa demoníaca. Esse ato de defumar cabeças é um costume da tribo que não fica muito bem explicado, mas pelo que entendi, é a maneira que eles encontraram de sugar o conhecimento de suas vítimas, TENSO!
“Mil mortes & outras histórias” é a minha primeira experiência com Jack London e posso dizer que gostei muito da escrita do autor e é muito perceptível o quanto suas aventuras pessoais serviram de inspiração e colaboraram para a construção de suas estórias. Também me ficou claro que o autor se utilizava da literatura para expurgar seus demônios, o conto que abre a antologia fala sobre um pai que definitivamente não nutria amor pelo filho e curiosamente, o autor foi rejeitado pelo próprio pai.
Jack London sempre esteve em movimento durante sua vida, participou da corrida do ouro no Canadá e no Alasca, contornou o Cabo Horn, viajou clandestinamente de trem, foi preso por vadiagem, chegou até mesmo a ser um pirata e todos esses fatos fazem da vida de London uma aventura intrigante que fiquei morrendo de vontade de investigar, esses quatro contos são aperitivos muito bem servidos da literatura de um homem que nunca se contentou com pouco ou se limitou à sofrer pelas intempéries da vida.
Você pode adquirir o livro diretamente no site da editora, pelo link do blog.
Quantos cafés “Mil Mortes e outras histórias” merece?
Nunca li nada do autor, preciso resolver isso!
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Se vocês gostam de Jack London, talvez se interessem pelo meu projeto de publicar toda a sua obra no Brasil: https://www.facebook.com/JackLondonOC/ .
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Foi o meu primeiro contato com a escrita dele e já quero ler mais coisas sim, vou conferir seu projeto!! Abração!
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